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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Malditas vozes...

Malditas vozes...



Já chega...”
Vamos, acaba logo com isso...”
É essa a vida que você queria?...”
A banheira já estava cheia e a lâmina estava fora de sua embalagem, ela já não podia suportar a dor... e aquelas vozes... Malditas vozes que nunca se calavam... Sua cabeça estava explodindo com toda aquela confusão, as vozes pareciam-lhe ensurdecedoramente altas e caóticas... Muitas informações, muitas incitações...
Desde criança Lúcia sabia que não as suportaria por muito tempo, já se passaram trinta anos e elas ainda continuavam, já havia tentado de tudo... Religiões, meditação, tratamentos em grupo e medicamentosos, por fim o álcool, as drogas, o sexo incontrolável...
Vamos sua vadia, termine logo com isso”
A dor já vai passar”
Nada aquietava a sua mente, as cores eram apenas temporárias e as suas impressões do mundo ainda eram em preto e branco. Mas o que mais lhe causava dor, o mais insuportável era olhar em volta e ver que as pessoas viviam em um prisma de felicidade... Será que ela não era merecedora de um pouco de paz? Ou será que as pessoas viviam em um mundo de mentiras e divagações utópicas? Nunca conseguira achar a resposta certa, mas a cada sorriso, a cada festa, a cada momento feliz que era compartilhado e exposto por todos a incomodava muito... E isso causava-lhe medo do que as pessoas pensavam dela... Bom... Isso já fizera algum efeito, mas agora... Agora tanto faz...
Entrara na banheira com água quente, havia pesquisado sobre os possíveis efeitos, Lúcia não era uma garota burra muito pelo contrário, terminara sua primeira faculdade aos 25 anos, psicóloga... Hã... Grande merda... Tentara estudar a mente das pessoas e assim talvez resolver os problemas da sua própria mente... Nada feito!
Vamos garota...”
Ainda não acabou...”
Existem algumas teorias que dizem que as pessoas que cometem suicídio, ou o também intitulado auto extermínio, viveriam em um contínuo sofrimento em que repetem o momento de dor e o ato suicida pelo resto da eternidade, mas...
E se for verdade...
Não tinha certeza se seria algo tão ruim assim... Agora se sentia confortavelmente estável... Sentia-se bem, até conseguira ver alguma cor nos azulejos do banheiro...
O final da vida significava apenas o final da dor, o final da incompreensão e da impaciência dos que se diziam seus amigos... Nem ao menos estava chorando... Já havia gastado suas lágrimas há muito tempo...
Deitara-se e esperara o corpo se aquecer um pouco, sabia que a hipotermia que o sangramento causaria iria lhe trair, o frio provoca um fenômeno chamado “vasoconstricção” e por mais profundo que conseguisse fazer o corte a artéria era pouco calibrosa, uma hora esta pararia de sangrar e no momento que alguém a encontrasse provavelmente ainda estaria viva...
Olhara impaciente o relógio que colocara no banheiro... Dois minutos, quatro minutos... Cinco minutos... Chegara a hora...
Passou a lâmina do estilete de maneira firme e forte, sentira uma dor lacerante, o caminho dos ductos lacrimais foi redescoberto pelas lágrimas e Lúcia as sentiu escorrendo pelo rosto... A dor fez sua respiração doer em espasmos... O cheiro do seu sangue a impregnara... Mas...
Não podia parar agora, trocou rapidamente a lâmina de mão e cortou da mesma maneira o punho dominante... Estava feito, era só esperar... Colocou os braços do lado de dentro da banheira para mantê-los aquecidos e fechou os olhos...
Pequenos círculos de luz surgiam em meio à escuridão, as vozes ainda estavam lá... Bem mais baixas agora, mas ainda estavam lá... Foram se apagando, dissipando-se como o resquício do flash de uma câmera fotográfica...



AllisonRdS