Malditas
vozes...
“Já
chega...”
“Vamos,
acaba logo com isso...”
“É
essa a vida que você queria?...”
A
banheira já estava cheia e a lâmina estava fora de sua embalagem,
ela já não podia suportar a dor... e aquelas vozes... Malditas
vozes que nunca se calavam... Sua cabeça estava explodindo com toda
aquela confusão, as vozes pareciam-lhe ensurdecedoramente altas e
caóticas... Muitas informações, muitas incitações...
Desde
criança Lúcia sabia que não as suportaria por muito tempo, já se
passaram trinta anos e elas ainda continuavam, já havia tentado de
tudo... Religiões, meditação, tratamentos em grupo e
medicamentosos, por fim o álcool, as drogas, o sexo incontrolável...
“Vamos
sua vadia, termine logo com isso”
“A
dor já vai passar”
Nada
aquietava a sua mente, as cores eram apenas temporárias e as suas
impressões do mundo ainda eram em preto e branco. Mas o que mais lhe
causava dor, o mais insuportável era olhar em volta e ver que as
pessoas viviam em um prisma de felicidade... Será que ela não era
merecedora de um pouco de paz? Ou será que as pessoas viviam em um
mundo de mentiras e divagações utópicas? Nunca conseguira achar a
resposta certa, mas a cada sorriso, a cada festa, a cada momento
feliz que era compartilhado e exposto por todos a incomodava muito...
E isso causava-lhe medo do que as pessoas pensavam dela... Bom...
Isso já fizera algum efeito, mas agora... Agora tanto faz...
Entrara
na banheira com água quente, havia pesquisado sobre os possíveis
efeitos, Lúcia não era uma garota burra muito pelo contrário,
terminara sua primeira faculdade aos 25 anos, psicóloga... Hã...
Grande merda... Tentara estudar a mente das pessoas e assim talvez
resolver os problemas da sua própria mente... Nada feito!
“Vamos
garota...”
“Ainda
não acabou...”
Existem
algumas teorias que dizem que as pessoas que cometem suicídio, ou o
também intitulado auto extermínio, viveriam em um contínuo
sofrimento em que repetem o momento de dor e o ato suicida pelo resto
da eternidade, mas...
E
se for verdade...
Não
tinha certeza se seria algo tão ruim assim... Agora se sentia
confortavelmente estável... Sentia-se bem, até conseguira ver
alguma cor nos azulejos do banheiro...
O
final da vida significava apenas o final da dor, o final da
incompreensão e da impaciência dos que se diziam seus amigos... Nem
ao menos estava chorando... Já havia gastado suas lágrimas há
muito tempo...
Deitara-se
e esperara o corpo se aquecer um pouco, sabia que a hipotermia que o
sangramento causaria iria lhe trair, o frio provoca um fenômeno
chamado “vasoconstricção” e por mais profundo que conseguisse
fazer o corte a artéria era pouco calibrosa, uma hora esta pararia
de sangrar e no momento que alguém a encontrasse provavelmente ainda
estaria viva...
Olhara
impaciente o relógio que colocara no banheiro... Dois minutos,
quatro minutos... Cinco minutos... Chegara a hora...
Passou
a lâmina do estilete de maneira firme e forte, sentira uma dor
lacerante, o caminho dos ductos lacrimais foi redescoberto pelas
lágrimas e Lúcia as sentiu escorrendo pelo rosto... A dor fez sua
respiração doer em espasmos... O cheiro do seu sangue a
impregnara... Mas...
Não
podia parar agora, trocou rapidamente a lâmina de mão e cortou da
mesma maneira o punho dominante... Estava feito, era só esperar...
Colocou os braços do lado de dentro da banheira para mantê-los
aquecidos e fechou os olhos...
Pequenos
círculos de luz surgiam em meio à escuridão, as vozes ainda
estavam lá... Bem mais baixas agora, mas ainda estavam lá... Foram
se apagando, dissipando-se como o resquício do flash de uma câmera
fotográfica...
AllisonRdS