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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Anunciação...

Anunciação


As nuvens encobriam a lua crescente de um céu sem estrelas, as velas eram a única iluminação perceptível aos olhos de todos. O circulo estava reunido mais uma vez e a oferta à grande deusa já estava pronta para o sacrifício. O homem fora banhado em água corrente de um córrego próximo, o haviam colocado sentado no interior do pentagrama incrustado na grama, estava vestindo sua túnica branca e com os olhos fechados meditava profundamente em posição de lótus.
A jovem bruxa permanecia em volta ao simbolo sagrado, sob as sombras das árvores aguardava os futuros passos do ritual. As outras bruxas começaram entoar um de seus cânticos sagrados, pedindo a proteção dos deuses e da natureza, a garota segui-as em sua melodia, era o seu primeiro Esbath, seguia os passos das outras mulheres, mas ainda precisava decorar todos os pequenos detalhes do ritual. Deram as mãos e a sacerdotisa tomou a palavra... “Grande deusa, aceite a oferta que suas humildes filhas lhe trazem, que toda a energia liberada agrade sua aura e que o cheiro agrade seu olfato”...
As cinco mulheres abriram suas túnicas negras e levantaram os capuzes que ainda cobriam seus cabelos, deixando com que o tecido deslizasse por seus braços e encontrasse a grama em que pisavam... Os corpos nus foram revelados ao mesmo tempo em que as nuvens abriram-se e a mata iluminara-se novamente.
O único homem que compunha o ritual levantara-se no interior do pentagrama, dirigiu-se até a ponta norte que representava o espirito e que continha além da vela um diminuto altar com os símbolos wiccanos, com a mão esquerda empunhou a adaga de cabo negro, fez um pequeno corte do dedo indicador da mão oposta e deixou com que duas gotas do seu sangue caíssem no cálice de prata. Levou o cálice aos lábios e bebeu um pouco do vinho misturado a seu sangue, pronunciou algumas palavras em uma língua ainda incompreensível à jovem garota...
Após pousar o cálice no pequeno altar, o homem dirigiu-se a cada uma das mulheres e deixou com que uma gota de seu sangue escorresse por entre seus seios, retirou a sua túnica branca e jogou-a para fora do pentagrama, deitou-se no centro do circulo com os olhos fechados e assim permanecera...
Uma a uma as mulheres entraram no símbolo e deitavam-se por sobre o homem até que seus sexos se encaixassem, seguindo em uma cópula intensa e barulhenta, mas não atingiam o clímax em momento algum... No momento precedente ao orgasmo levantavam-se e trocavam de garota, o bruxo permanecia rijo, agora com o olhar fixo na lua que reinava solitária no céu, após as quatro mulheres revezarem-se por algumas vezes, a mais velha delas levantou-se e pegou a iniciante pelas mãos. A jovem wiccana havia notado que o homem nitidamente em transe levantava a mão esquerda e com sua palma tocava as mulheres por entre os seios, aumentando a marca da pequena gora que havia deixado pingar em cada uma delas.
Julia olhara no próprio tórax e vira que a gota que houvera sido depositada há pouco minutos não deixara nenhuma marca. Foi posicionada por sobre o homem pelas outras mulheres e fora agachando lentamente, sentindo-se preenchida e sob o calor dos primitivos deuses da luxúria, o homem repetira com ela o gesto feito com todas e tocou-lhe por entre os seios, não sentindo a marca do próprio sangue, abaixou a mão e segurou-a pelo quadril... Julia sentira o sangue de sua virgindade sendo entregue como oferta aos deuses, a excitação que sentira aumentara de maneira inversamente proporcional à dor que diminuíra a cada movimento de seu quadril.
Sentindo que não conseguiria mais prorrogar o kundalini, teve a certeza de que seu papel na seita seria maior que um dia pudera imaginar, pousou as mãos sobre o tórax do homem que apertava cada vez mais o seu quadril e fechou os olhos, sentira um prazer tão intenso que seus sentidos foram apagando-se progressivamente...


Ao abrir os olhos novamente, Julia retornara à realidade, lembrou-se novamente de seu ritual de iniciação, suas pernas tremiam novamente como no dia em que participara daquele Esbath...
Levantou-se e olhou pela janela do apartamento, quase trinta anos se passaram, fora a única sobrevivente do coven... Bruxa, sacerdotisa... Se permanecesse entre os wiccanos talvez fosse Elder, mas acontecera tanta coisa... Uma trajetória que temia estar chegando ao fim... Vira o céu avermelhando-se, as lágrimas começaram a escorrer por seus olhos, fechou-os e pedira perdão mais uma vez aos deuses... Porque havia feito tudo o que fez? Não sabia explicar, sabia apenas que o tempo acabara...


AllisonRdS

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A porta de luz

A PORTA DE LUZ


       A lua cobria uma grande extensão do céu nesta noite, o outono havia derrubado as folhas das árvores há alguns dias, transformando-as praticamente em esqueletos de madeira. O contraste dos galhos negros com um céu azul repleto de estrelas tornava a noite um espetáculo lindo de ser visto e os olhos azuis de Sophie não conseguiam desviar-se do espetáculo proporcionado pela natureza. Um fino curso de lágrimas escorria pelo rosto... Sulcos de profundas rugas que uma vida repleta de dificuldades e não realizações transformara em cicatrizes... Algumas de dor, algumas de amor...
        Seu corpo permanecia sentado quase inerte, estava preso à prisão natural que as grades biológicas de seu corpo proporcionavam, mas não à sua alma... A sua alma voava pela paisagem embalada pela úmida brisa que ainda podia sentir em seu rosto...
Sophie podia ver o seu filho mais velho aproximando-se, há muito não o via, mas não lhe parecera estranho e isto acabara por revelar a sensação inquietante de véspera que lhe coroia o coração... Júlio sentou-se em um banco quase a seu lado e em silêncio permaneceram contemplando a paisagem do local que fora escolhido pela mãe há algum tempo, lembranças de uma vida que já fora melhor surgiram diante de seus olhos, uma película de risos, alegrias, decepções, dores e vazio e depois de algum tempo o esvoaçar de um jaleco pudera ser notado por sua visão periférica que ainda funcionava bem.
      A jovem enfermeira aproximara-se devagar, com um leve sorriso segurou as manoplas da cadeira de rodas... “Vamos entrar querida, já está tarde” Sophie olhara para o banco, o garoto a olhara com um sorriso nos lábios que fora retribuído na medida do possível, Júlio levantara-se e a acompanhara de longe para o interior da casa. A cadeira deixara seu rastro no belo pátio gramado que começara a receber algumas gotículas de uma chuva ocasional.
   Sophie fora colocada carinhosamente na cama pela garota, e devaneios do que viria pela frente subitamente tomaram seus pensamentos, olhara para o garoto novamente, que ainda permanecia sorrindo e olhando o quarto com uma certa curiosidade, fora nítido que permanecera ausente nos últimos trinta anos, mas mesmo assim transmitia uma paciência incomum às crianças.
       Olhara para o pequeno relógio e vira o ponteiro menor aproximando-se do que seria a vigésima segunda hora do dia, pressentira que hoje a sua alma se desprenderia e um leque infinito de possibilidades se abriria à sua frente. Para pessoas com um certo esclarecimento a morte não causava tanto medo, seria uma nova aventura ou apenas um novo retorno, mas não para Sophie que ainda brigava para deixar os olhos abertos. A luz fora apagada com um “Boa noite querida... Durma bem” e as pálpebras foram ficando mais pesadas, o garoto permanecia no quarto, sentado em uma poltrona ao lado da janela e olhando para as estrelas... Então, os olhos fecharam-se...

Φ

     Era como acordar depois de um sono rejuvenescedor, sentira os braços de Júlio em volta de sua cintura em um abraço adiado por trinta anos que enfim fora recebido em meio a lágrimas e sussurros de um amor sem muita explicação... E assim sem dizerem nenhuma palavra seguiram pela porta de luz que abrira-se no que fora antes a janela do quarto da clínica...



AllisonRdS