A
PORTA DE LUZ
A
lua cobria uma grande extensão do céu nesta noite, o outono havia
derrubado as folhas das árvores há alguns dias, transformando-as
praticamente em esqueletos de madeira. O contraste dos galhos negros
com um céu azul repleto de estrelas tornava a noite um espetáculo
lindo de ser visto e os olhos azuis de Sophie não conseguiam
desviar-se do espetáculo proporcionado pela natureza. Um fino curso
de lágrimas escorria pelo rosto... Sulcos de profundas rugas que uma
vida repleta de dificuldades e não realizações transformara em
cicatrizes... Algumas de dor, algumas de amor...
Seu
corpo permanecia sentado quase inerte, estava preso à prisão
natural que as grades biológicas de seu corpo proporcionavam, mas
não à sua alma... A sua alma voava pela paisagem embalada pela
úmida brisa que ainda podia sentir em seu rosto...
Sophie
podia ver o seu filho mais velho aproximando-se, há muito não o
via, mas não lhe parecera estranho e isto acabara por revelar a
sensação inquietante de véspera que lhe coroia o coração...
Júlio sentou-se em um banco quase a seu lado e em silêncio
permaneceram contemplando a paisagem do local que fora escolhido pela
mãe há algum tempo, lembranças de uma vida que já fora melhor
surgiram diante de seus olhos, uma película de risos, alegrias,
decepções, dores e vazio e depois de algum tempo o esvoaçar de um
jaleco pudera ser notado por sua visão periférica que ainda
funcionava bem.
A
jovem enfermeira aproximara-se devagar, com um leve sorriso segurou
as manoplas da cadeira de rodas... “Vamos entrar querida, já está
tarde” Sophie olhara para o banco, o garoto a olhara com um sorriso
nos lábios que fora retribuído na medida do possível, Júlio
levantara-se e a acompanhara de longe para o interior da casa. A
cadeira deixara seu rastro no belo pátio gramado que começara a
receber algumas gotículas de uma chuva ocasional.
Sophie
fora colocada carinhosamente na cama pela garota, e devaneios do que
viria pela frente subitamente tomaram seus pensamentos, olhara para o
garoto novamente, que ainda permanecia sorrindo e olhando o quarto
com uma certa curiosidade, fora nítido que permanecera ausente nos
últimos trinta anos, mas mesmo assim transmitia uma paciência
incomum às crianças.
Olhara para o pequeno relógio e vira o ponteiro menor aproximando-se
do que seria a vigésima segunda hora do dia, pressentira que hoje a
sua alma se desprenderia e um leque infinito de possibilidades se
abriria à sua frente. Para pessoas com um certo esclarecimento a
morte não causava tanto medo, seria uma nova aventura ou apenas um
novo retorno, mas não para Sophie que ainda brigava para deixar os
olhos abertos. A luz fora apagada com um “Boa noite querida...
Durma bem” e as pálpebras foram ficando mais pesadas, o garoto
permanecia no quarto, sentado em uma poltrona ao lado da janela e
olhando para as estrelas... Então, os olhos fecharam-se...
Φ
Era
como acordar depois de um sono rejuvenescedor, sentira os braços de
Júlio em volta de sua cintura em um abraço adiado por trinta anos
que enfim fora recebido em meio a lágrimas e sussurros de um amor
sem muita explicação... E assim sem dizerem nenhuma palavra
seguiram pela porta de luz que abrira-se no que fora antes a janela
do quarto da clínica...
AllisonRdS
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