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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A porta de luz

A PORTA DE LUZ


       A lua cobria uma grande extensão do céu nesta noite, o outono havia derrubado as folhas das árvores há alguns dias, transformando-as praticamente em esqueletos de madeira. O contraste dos galhos negros com um céu azul repleto de estrelas tornava a noite um espetáculo lindo de ser visto e os olhos azuis de Sophie não conseguiam desviar-se do espetáculo proporcionado pela natureza. Um fino curso de lágrimas escorria pelo rosto... Sulcos de profundas rugas que uma vida repleta de dificuldades e não realizações transformara em cicatrizes... Algumas de dor, algumas de amor...
        Seu corpo permanecia sentado quase inerte, estava preso à prisão natural que as grades biológicas de seu corpo proporcionavam, mas não à sua alma... A sua alma voava pela paisagem embalada pela úmida brisa que ainda podia sentir em seu rosto...
Sophie podia ver o seu filho mais velho aproximando-se, há muito não o via, mas não lhe parecera estranho e isto acabara por revelar a sensação inquietante de véspera que lhe coroia o coração... Júlio sentou-se em um banco quase a seu lado e em silêncio permaneceram contemplando a paisagem do local que fora escolhido pela mãe há algum tempo, lembranças de uma vida que já fora melhor surgiram diante de seus olhos, uma película de risos, alegrias, decepções, dores e vazio e depois de algum tempo o esvoaçar de um jaleco pudera ser notado por sua visão periférica que ainda funcionava bem.
      A jovem enfermeira aproximara-se devagar, com um leve sorriso segurou as manoplas da cadeira de rodas... “Vamos entrar querida, já está tarde” Sophie olhara para o banco, o garoto a olhara com um sorriso nos lábios que fora retribuído na medida do possível, Júlio levantara-se e a acompanhara de longe para o interior da casa. A cadeira deixara seu rastro no belo pátio gramado que começara a receber algumas gotículas de uma chuva ocasional.
   Sophie fora colocada carinhosamente na cama pela garota, e devaneios do que viria pela frente subitamente tomaram seus pensamentos, olhara para o garoto novamente, que ainda permanecia sorrindo e olhando o quarto com uma certa curiosidade, fora nítido que permanecera ausente nos últimos trinta anos, mas mesmo assim transmitia uma paciência incomum às crianças.
       Olhara para o pequeno relógio e vira o ponteiro menor aproximando-se do que seria a vigésima segunda hora do dia, pressentira que hoje a sua alma se desprenderia e um leque infinito de possibilidades se abriria à sua frente. Para pessoas com um certo esclarecimento a morte não causava tanto medo, seria uma nova aventura ou apenas um novo retorno, mas não para Sophie que ainda brigava para deixar os olhos abertos. A luz fora apagada com um “Boa noite querida... Durma bem” e as pálpebras foram ficando mais pesadas, o garoto permanecia no quarto, sentado em uma poltrona ao lado da janela e olhando para as estrelas... Então, os olhos fecharam-se...

Φ

     Era como acordar depois de um sono rejuvenescedor, sentira os braços de Júlio em volta de sua cintura em um abraço adiado por trinta anos que enfim fora recebido em meio a lágrimas e sussurros de um amor sem muita explicação... E assim sem dizerem nenhuma palavra seguiram pela porta de luz que abrira-se no que fora antes a janela do quarto da clínica...



AllisonRdS

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