Translate

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Novo conto...

Fazenda
         Helena mantinha os olhos abertos mesmo contra a vontade, os dados que o monitor apresentavam ao que parecia... Eram totalmente irrelevantes... Grande merda! Mas... Algo não se encaixava corretamente, teria que revê-los novamente...
         Olhou o relógio... 03h25min. Melhor voltar para casa e repensar um pouco pela manhã, talvez encontrasse a solução para o problema ao acordar. Isso já acontecera algumas vezes.
         Apagou a luz logo após desligar os computadores, trancou a porta do laboratório de biologia experimental e percorreu sozinha os corredores escuros da universidade. O guarda da portaria lutava contra a gravidade, já que sua cabeça insistia em balançar para cima e para baixo.
         Helena dera boa noite e caminhou até o estacionamento sem iluminação, ainda perguntando-se por que parar o carro tão longe?      O efeito de escuridão que as sombras das árvores provocava era assustadora àquela hora da madrugada, desde que sofrera um sequestro relâmpago no ano anterior a garota não mais conseguia andar com tranquilidade durante a noite.
         Acionou o botão do alarme e os faróis piscaram indicando que o carro fora destravado, aproximou-se e ao colocar a mão na maçaneta...
         - Olá... - A mestranda olhara assustada para todos os lados, já levando a mão até sua bolsa, tateando-a a procura do spray de pimenta...
         - Calma moça, não há nada com o que se preocupar...
         Mesmo com o coração batendo a mil por hora, Helena respirou profundamente e tentou encontrar a origem da voz...
Uma garotinha estava parada em frente ao carro, os cabelos negros estavam presos em uma trança única que pendia pelo ombro e quase alcançava a linha da cintura. A criança usava um vestido branco coberto por franjas de rendas, seus olhos negros como jabuticabas contrastavam-se com a pele pálida de seu rosto...
         - O que você está fazendo no estacionamento a uma hora dessas? Está sozinha? - Helena continuava a olhar para todos os lados, procurava por mais alguma pessoa, mas pelo visto não havia mais ninguém, apesar de que... Esconder-se naquele estacionamento não seria algo muito difícil...
         - Eu não sei... Me perdi, estava com meu pai... Será que você pode me ajudar a encontrá-lo?
         - Ele mora aqui na universidade?
         - Universidade? Não! Ele mora na fazenda... - A garota olhava com um sorriso nos lábios, como se a pergunta de Helena fosse algo quase improvável...
         - Fazenda? Que fazenda garota? Como se chama?
         - Fernanda... Esse carro é seu?
         - É... Você sabe número do telefone do seu pai?
         - Telefone? Não... - O mesmo sorriso de antes se abrira no rosto da garotinha...
         - Ok... Vamos chamar a polícia então...
         - Acho melhor não, você podia me dar uma carona até a sede da fazenda...
         - Eu não vou te dar carona nenhuma, se quiser eu chamo o guarda do campus e ele te leva até lá... Ele deve saber onde é essa fazenda... - Helena afastara-se da garota, ela estava a assutando... - Vamos até a portaria...
         - Não! - Com uma voz estridente Fernanda gritara... - Você pode me levar Helena... - A garota aproximara-se e tocara a mão de Helena.
         A pesquisadora desvencilhou-se da mão gelada da garotinha e correu até a portaria da universidade... Bateu insistentemente e acordou o guarda, que dormia inadvertidamente sobre o balcão... Contou-lhe a história e vira nitidamente que o assustara, seus olhos ficaram imóveis, olhando-a...
         - É a garotinha da fazenda que desapareceu...
         - Desapareceu, mas de que fazenda? Vamos chamara policia então, os pais devem estar preocupados...
         - Dizem que ela morreu afogada no lago em 1919, quando aqui ainda era a fazenda de cultivo do café do Dr. Francisco Schimidt, muito antes das terras pertencerem à USP... - O guarda falava e apontava para um poster no quadro de avisos, que contava a história da fazenda que chegara na década de 20 a ser a maior produtora de café do planeta...
         O guarda a acompanhou até o carro, nitidamente perturbado, iluminou boa parte do estacionamento com uma lanterna e esperou pacientemente até que Helena cruzasse a cancela do departamento de Biologia.
         Helena dirigira pelo interior do campus, diminuiu a velocidade quando passou em frente à faculdade de medicina, que fora a sede da antiga fazenda de café há quase um século... Parou o carro e distraiu-se olhando os detalhes coloniais da casa, soltou a embreagem do carro devagar e ao olhar para a frente deparara-se com a garotinha parada ao lado da janela do motorista, olhando-a fixamente... Seu coração disparara e o motor do carro morreu...


         Acordou com uma mensagem do celular, levantou a cabeça e olhou para frente... O computador do laboratório estava ligado, olhou a tabela e viu os mesmos dados irrelevantes na tela. Desligou o computador, apagou as luzes do laboratório e olhou o relógio, eram 04h05min... Respondeu a mensagem do celular, era seu noivo que estava de plantão no CTI do Hospital das Clínicas... Disse que ainda estava no laboratório e estava indo para casa...
         Percorreu os corredores escuros da universidade, chegou à portaria e viu o poster com a foto aérea do campus, o mesmo que vira em seu sonho...
         Olhou para o lado e vira que o guarda dormia debruçado no balcão... Acordou-lhe e pediu que abrisse a porta... Olhou o estacionamento escuro e seu carro parado em frente às árvores do outro lado do pátio... Com a chave nas mãos caminhou até seu carro, rezando para que a garotinha não estivesse lá...


AllisonRdS

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Desculpem-me a ausência no blog... Estou revisando o livro novo, escrevendo novas ideias e trabalhando bastante no hospital e infelizmente estou deixando os contos meio de lado (por enquanto)... rsrsrs...
Disponibilizei alguns capítulos do Haegessa no Whatpadd, lembrando que ele está na íntegra na Amazon.com.br...
Mas prometo que colocarei novas histórias em breve...

Abraço a todos
Allison...

sábado, 4 de julho de 2015

Collectis

Collectis

As coisas não iam muito bem nesta noite, a mulher olhava ininterruptamente pelo pequeno vitral do templo, a luz da lua continuava iluminando o pátio parcialmente escuro da pequena igreja e ela podia ver toda a movimentação do lado de fora através dos vidros coloridos, asas negras batendo, o brilho das lâminas que reluziam à luz do luar, gritos de dor e de ódio misturando-se o tempo todo ao som do atrito das espadas...
Colocara as mãos sobre os ouvidos para tentar amenizar um pouco do barulho que a estava enlouquecendo e movimentara a cabeça para a direita e para a esquerda em movimentos contínuos, mas... Era inútil... O barulho continuara a atormentando e cada vez mais alto...
Começara a notar que uma das paredes começara a trincar lentamente, acompanhada de um barulho quase ensurdecedor, era como se uma grande bola de demolição colidisse com a parede com uma força absurda, assustada sentara-se na outra extremidade da pequena igreja. Após alguns instantes notara que a parede apresentava uma grande rachadura, uma enorme mão atravessara a parede e começara a forçar a pequena abertura... Os tijolos que formavam a cúpula da igreja começaram a ceder gradualmente e o que era apenas um trincado começara a ganhar proporções de um enorme buraco na parede, as pinturas sacras começaram a ganhar vida e a movimentar-se nos grandes afrescos da cúpula, um forte cheiro de queimado começara a inebriar que sentia seu estômago revirando-se e a bile chegando à sua boca.
Abaixou a sua cabeça e deixou com que o vômito eclodisse, levantara a cabeça novamente e vira um demônio gigantesco entrando pela cúpula da igreja, suas enormes asas negras ainda desprendiam-se da abertura feita na parede. Olhou em volta e notara que os desenhos haviam se transformado em homens magros e sujos, formando um enorme cone parecido com a ilustração que Dante fizera dos sete infernos em sua maior obra, porém o demônio que ficara no sétimo havia destruído a parede e agora caminhava em sua direção...
“Senhor do céu, me proteja... Ave Maria, cheia de graça...” Uma oração começara a sair aos prantos, mas o demônio de pele queimada e asas parecidas com as asas de um morcego ainda caminhava em sua direção, a espada dourada e suja de sangue ainda fresco em riste... A oração fora substituída por gritos de horror...

Ψ

A enfermeira entrou no quarto e ficara ligeiramente irritada, como a paciente havia se soltado novamente das contenções? Colocou a bandeja com as medicações de horário na mesa de cabeceira e tocara a campainha para pedir ajuda, a mulher de meia idade estava sentada em um dos cantos do quarto sob uma enorme poça de vômito, suas mãos estavam espalhadas sobre os ouvidos e ela gritava alucinadamente...
Colocaram-na na cama e a contiveram novamente, a enfermeira administrara a medicação endovenosa e esperara com que uma sedação leve fizesse efeito, saíra do quarto novamente e após três horas retornara ao quarto para ver o estado da paciente que permanecia em silêncio, a cena que encontrara fora impressionante...
O cadáver permanecia contido no leito, as marcas de queimado envolviam seu pescoço, como se houvesse sido enforcada por uma corda em chamas, por suas vias aéreas vazava um líquido viscoso e a rigidez cadavérica não deixara com que seus braços se movessem, era como se estivesse morta há muito tempo...


AllisonRdS

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Consternação...

CǾnsternaçãǾ


As chamas das pequenas lamparinas de querosene iluminavam parcialmente as calçadas ainda escuras da cidade da capital paulista, o dia nasceria em breve e Allana seguira assustada pelo centro da cidade em direção à estação da Luz, sairia de São Paulo o mais rápido que conseguisse, certamente pela manhã todas as diligências policiais estariam em seu encalço e ela já pretendia estar longe da cidade. Nunca imaginara que pudesse fazer o que acabou fazendo, mas... Não podia mais suportar tudo o que vinha acontecendo...


Ǿ


“ Em fevereiro do ano de 1903 saíra do sul do país e viera para a capital paulista com seu marido, nunca achara que se casar com dezessete anos seria o ideal para uma menina que não conhecia nada da vida, mas a influência social e as ordens de seu pai não lhe davam muitas alternativas. Nunca fora tratada de maneira gentil ou no mínimo educada, era chamada de “mulher” durante o dia e tratada como mero objeto inanimado durante as noites pelo seu flácido e nojento marido... Mas isso não a incomodava tanto, quanto menos conversasse com seu marido, quanto menos ele a tocasse, melhor seria...
Moravam em uma casa, ou melhor em um pequeno palacete na recém-inaugurada Avenida Paulista, haviam muitos empregados e muita movimentação em casa, mas começaram a ocorrer coisas estranhas ultimamente, seu marido não a usava a algum tempo, desaparecia durante boa parte das noites, algumas vozes inundavam a casa durante a madrugada...
Na noite de ontem acordara com um grito agudo de uma mulher, olhara para o lado e não vira o seu marido... Levantara-se, colocara um hobby de seda e saíra do quarto com um pequeno candelabro nas mãos para iluminar seus passos...
Descera as escadas até o hall principal da casa, não encontrara nenhum dos empregados, não era possível que nenhum deles houvesse escutado os gritos que a acordara.
Continuara seus passos pela casa sem iluminação e aparentemente vazia, encontrara a porta que descia ao porão parcialmente aberta com flashes de iluminação vinham do final da escadaria. Como que por instinto Allana apagara a vela e colocara o candelabro em cima de uma pequena mesa. Pé ante pé começara a descer as escadas, seus olhos passeavam pelo cômodo da casa em que nunca havia entrado, as paredes eram pintadas em um tom vermelho.
Esqueletos de cabeças de animais com chifres ornamentavam as paredes do imenso comodo vermelho, Allana conseguira desviar o olhar em direção ao centro do porão, havia um enorme pentagrama desenhado no chão, com velas iluminando cada uma das cinco pontas, no centro havia uma mulher nua e com o peito aberto pelo que pareciam golpes de machado, seu coração jazia em um pequeno frasco de vidro ainda sujo pelo sangue que banhava quase todo o interior do pentagrama.
Seus olhos alcançaram a parede do fundo e puderam ver o quão doentio era a cena, haviam no mínimo mais uns vinte frascos como aquele, corações, intestinos, sangue e duas cabeças boiavam na solução de formol. Allana sentira seu estômago embrulhando-se e a sua cabeça começara a rodar, escutou pequenos ruídos na parte distal e mais escura do cômodo.
Apanhou uma das velas do pentagrama e levantou até a altura de seus olhos para que pudesse visualizar a origem dos ruídos, pode ver os longos cabelos brancos de seu marido, que permanecia sentado no chão, comendo um pedaço de carne que havia arrancado do corpo da garota que fora assassinada e mutilada.
“Deus do céu, tende piedade...” Murmurou por entre os dentes, seu marido levantou a cabeça e a olhou intensamente, seu sorriso vermelho gelou o sangue de Allana, que jogando a vela no chão tentou sair correndo escada acima... Sentira as mãos de seu marido tentando segurá-la, mas o sangue em suas mãos tornava-a escorregadia, então o mesmo postou-se diante da escada, impedindo-a.
A garota percorrera novamente o cômodo com os olhos e encontrou a pequena machadinha que abrira o tórax da jovem mulher que estava no chão, seu marido já encontrava-se novamente a seu lado com o sangue da garota escorrendo por seus lábios, apanhou a machadinha e em um único golpe desferido fizera o rosto do homem que dividia sua cama abrir-se em dois.
Jogou a arma no chão e subira correndo até seu quarto, trocara sua roupa e calçara os primeiros sapatos que vira, abriu a pequena gaveta e apanhara algumas notas e moedas...


Ǿ


Entrara na estação assim que os portões se abriram e comprara o bilhete para o primeiro trem que sairia de manhã... Rio de Janeiro... A fumaça da locomotiva podia ser vista no horizonte quando entraram na estação três policiais acompanhados de um homem com o rosto enfaixado e vestindo um longo sobre tudo... 
O trem aproximara-se ainda mais e ela rezava em silêncio para que os policiais não a estivessem procurando. O homem soltou um tipo de ruído e levantou o braço em direção à Allana, os policiais em meio à gritos começaram a correr em sua direção. A garota começara a correr em direção ao trem que já se aproximava...
“Pare, polícia” os gritos tornavam-se mais altos a medida que Allana desacelerava os passos, olhou para ambos os lados e viu-se acuada entre a parede e os policiais, então notara que o homem gravemente ferido e com o rosto enrolado era seu marido, àquela altura o trem já encontrava-se mais perto, sem enxergar outra alternativa respirou fundo, abriu os braços e saltou de encontro aos trilhos do trem...



AllisonRdS