CǾnsternaçãǾ
As
chamas das pequenas lamparinas de querosene iluminavam parcialmente
as calçadas ainda escuras da cidade da capital paulista, o dia
nasceria em breve e Allana seguira assustada pelo centro da cidade em
direção à estação da Luz, sairia de São Paulo o mais rápido
que conseguisse, certamente pela manhã todas as diligências
policiais estariam em seu encalço e ela já pretendia estar longe da
cidade. Nunca imaginara que pudesse fazer o que acabou fazendo,
mas... Não podia mais suportar tudo o que vinha acontecendo...
Ǿ
“
Em fevereiro do ano de 1903 saíra do sul do país e viera para a
capital paulista com seu marido, nunca achara que se casar com
dezessete anos seria o ideal para uma menina que não conhecia nada
da vida, mas a influência social e as ordens de seu pai não lhe
davam muitas alternativas. Nunca fora tratada de maneira gentil ou no
mínimo educada, era chamada de “mulher” durante o dia e tratada
como mero objeto inanimado durante as noites pelo seu flácido e
nojento marido... Mas isso não a incomodava tanto, quanto menos
conversasse com seu marido, quanto menos ele a tocasse, melhor
seria...
Moravam
em uma casa, ou melhor em um pequeno palacete na recém-inaugurada
Avenida Paulista, haviam muitos empregados e muita movimentação em
casa, mas começaram a ocorrer coisas estranhas ultimamente, seu
marido não a usava a algum tempo, desaparecia durante boa parte das
noites, algumas vozes inundavam a casa durante a madrugada...
Na
noite de ontem acordara com um grito agudo de uma mulher, olhara para
o lado e não vira o seu marido... Levantara-se, colocara um hobby de
seda e saíra do quarto com um pequeno candelabro nas mãos para
iluminar seus passos...
Descera
as escadas até o hall principal da casa, não encontrara nenhum dos
empregados, não era possível que nenhum deles houvesse escutado os
gritos que a acordara.
Continuara
seus passos pela casa sem iluminação e aparentemente vazia,
encontrara a porta que descia ao porão parcialmente aberta com
flashes de iluminação vinham do final da escadaria. Como que por
instinto Allana apagara a vela e colocara o candelabro em cima de uma
pequena mesa. Pé ante pé começara a descer as escadas, seus olhos
passeavam pelo cômodo da casa em que nunca havia entrado, as paredes
eram pintadas em um tom vermelho.
Esqueletos
de cabeças de animais com chifres ornamentavam as paredes do imenso
comodo vermelho, Allana conseguira desviar o olhar em direção ao
centro do porão, havia um enorme pentagrama desenhado no chão, com
velas iluminando cada uma das cinco pontas, no centro havia uma
mulher nua e com o peito aberto pelo que pareciam golpes de machado,
seu coração jazia em um pequeno frasco de vidro ainda sujo pelo
sangue que banhava quase todo o interior do pentagrama.
Seus
olhos alcançaram a parede do fundo e puderam ver o quão doentio era
a cena, haviam no mínimo mais uns vinte frascos como aquele,
corações, intestinos, sangue e duas cabeças boiavam na solução
de formol. Allana sentira seu estômago embrulhando-se e a sua cabeça
começara a rodar, escutou pequenos ruídos na parte distal e mais
escura do cômodo.
Apanhou
uma das velas do pentagrama e levantou até a altura de seus olhos
para que pudesse visualizar a origem dos ruídos, pode ver os longos
cabelos brancos de seu marido, que permanecia sentado no chão,
comendo um pedaço de carne que havia arrancado do corpo da garota
que fora assassinada e mutilada.
“Deus
do céu, tende piedade...” Murmurou por entre os dentes, seu marido
levantou a cabeça e a olhou intensamente, seu sorriso vermelho gelou
o sangue de Allana, que jogando a vela no chão tentou sair correndo
escada acima... Sentira as mãos de seu marido tentando segurá-la,
mas o sangue em suas mãos tornava-a escorregadia, então o mesmo
postou-se diante da escada, impedindo-a.
A
garota percorrera novamente o cômodo com os olhos e encontrou a
pequena machadinha que abrira o tórax da jovem mulher que estava no
chão, seu marido já encontrava-se novamente a seu lado com o sangue
da garota escorrendo por seus lábios, apanhou a machadinha e em um
único golpe desferido fizera o rosto do homem que dividia sua cama
abrir-se em dois.
Jogou
a arma no chão e subira correndo até seu quarto, trocara sua roupa
e calçara os primeiros sapatos que vira, abriu a pequena gaveta e
apanhara algumas notas e moedas...
Ǿ
Entrara
na estação assim que os portões se abriram e comprara o bilhete
para o primeiro trem que sairia de manhã... Rio de Janeiro... A
fumaça da locomotiva podia ser vista no horizonte quando entraram na
estação três policiais acompanhados de um homem com o rosto
enfaixado e vestindo um longo sobre tudo...
O trem aproximara-se
ainda mais e ela rezava em silêncio para que os policiais não a
estivessem procurando. O homem soltou um tipo de ruído e levantou o
braço em direção à Allana, os policiais em meio à gritos
começaram a correr em sua direção. A garota começara a correr em
direção ao trem que já se aproximava...
“Pare,
polícia” os gritos tornavam-se mais altos a medida que Allana
desacelerava os passos, olhou para ambos os lados e viu-se acuada
entre a parede e os policiais, então notara que o homem gravemente
ferido e com o rosto enrolado era seu marido, àquela altura o trem
já encontrava-se mais perto, sem enxergar outra alternativa respirou fundo, abriu os braços e saltou de encontro aos trilhos do
trem...
AllisonRdS