Fazenda
Helena
mantinha os olhos abertos mesmo contra a vontade, os dados que o monitor
apresentavam ao que parecia... Eram totalmente irrelevantes... Grande merda!
Mas... Algo não se encaixava corretamente, teria que revê-los novamente...
Olhou
o relógio... 03h25min. Melhor voltar para casa e repensar um pouco pela manhã,
talvez encontrasse a solução para o problema ao acordar. Isso já acontecera
algumas vezes.
Apagou
a luz logo após desligar os computadores, trancou a porta do laboratório de
biologia experimental e percorreu sozinha os corredores escuros da
universidade. O guarda da portaria lutava contra a gravidade, já que sua cabeça
insistia em balançar para cima e para baixo.
Helena
dera boa noite e caminhou até o estacionamento sem iluminação, ainda
perguntando-se por que parar o carro tão longe? O efeito de escuridão que as sombras das árvores provocava era
assustadora àquela hora da madrugada, desde que sofrera um sequestro relâmpago
no ano anterior a garota não mais conseguia andar com tranquilidade durante a
noite.
Acionou
o botão do alarme e os faróis piscaram indicando que o carro fora destravado,
aproximou-se e ao colocar a mão na maçaneta...
-
Olá... - A mestranda olhara assustada para todos os lados, já levando a mão até
sua bolsa, tateando-a a procura do spray de pimenta...
-
Calma moça, não há nada com o que se preocupar...
Mesmo
com o coração batendo a mil por hora, Helena respirou profundamente e tentou
encontrar a origem da voz...
Uma garotinha estava parada em frente ao carro, os
cabelos negros estavam presos em uma trança única que pendia pelo ombro e quase
alcançava a linha da cintura. A criança usava um vestido branco coberto por
franjas de rendas, seus olhos negros como jabuticabas contrastavam-se com a
pele pálida de seu rosto...
- O
que você está fazendo no estacionamento a uma hora dessas? Está sozinha? -
Helena continuava a olhar para todos os lados, procurava por mais alguma
pessoa, mas pelo visto não havia mais ninguém, apesar de que... Esconder-se
naquele estacionamento não seria algo muito difícil...
- Eu
não sei... Me perdi, estava com meu pai... Será que você pode me ajudar a
encontrá-lo?
-
Ele mora aqui na universidade?
-
Universidade? Não! Ele mora na fazenda... - A garota olhava com um sorriso nos
lábios, como se a pergunta de Helena fosse algo quase improvável...
-
Fazenda? Que fazenda garota? Como se chama?
-
Fernanda... Esse carro é seu?
-
É... Você sabe número do telefone do seu pai?
-
Telefone? Não... - O mesmo sorriso de antes se abrira no rosto da garotinha...
-
Ok... Vamos chamar a polícia então...
-
Acho melhor não, você podia me dar uma carona até a sede da fazenda...
- Eu
não vou te dar carona nenhuma, se quiser eu chamo o guarda do campus e ele te
leva até lá... Ele deve saber onde é essa fazenda... - Helena afastara-se da
garota, ela estava a assutando... - Vamos até a portaria...
-
Não! - Com uma voz estridente Fernanda gritara... - Você pode me levar
Helena... - A garota aproximara-se e tocara a mão de Helena.
A
pesquisadora desvencilhou-se da mão gelada da garotinha e correu até a portaria
da universidade... Bateu insistentemente e acordou o guarda, que dormia
inadvertidamente sobre o balcão... Contou-lhe a história e vira nitidamente que
o assustara, seus olhos ficaram imóveis, olhando-a...
- É
a garotinha da fazenda que desapareceu...
-
Desapareceu, mas de que fazenda? Vamos chamara policia então, os pais devem
estar preocupados...
-
Dizem que ela morreu afogada no lago em 1919, quando aqui ainda era a fazenda
de cultivo do café do Dr. Francisco Schimidt, muito antes das terras
pertencerem à USP... - O guarda falava e apontava para um poster no quadro de
avisos, que contava a história da fazenda que chegara na década de 20 a ser a
maior produtora de café do planeta...
O
guarda a acompanhou até o carro, nitidamente perturbado, iluminou boa parte do
estacionamento com uma lanterna e esperou pacientemente até que Helena cruzasse
a cancela do departamento de Biologia.
Helena
dirigira pelo interior do campus, diminuiu a velocidade quando passou em frente
à faculdade de medicina, que fora a sede da antiga fazenda de café há quase um
século... Parou o carro e distraiu-se olhando os detalhes coloniais da casa,
soltou a embreagem do carro devagar e ao olhar para a frente deparara-se com a
garotinha parada ao lado da janela do motorista, olhando-a fixamente... Seu
coração disparara e o motor do carro morreu...
Acordou
com uma mensagem do celular, levantou a cabeça e olhou para frente... O
computador do laboratório estava ligado, olhou a tabela e viu os mesmos dados
irrelevantes na tela. Desligou o computador, apagou as luzes do laboratório e
olhou o relógio, eram 04h05min... Respondeu a mensagem do celular, era seu
noivo que estava de plantão no CTI do Hospital das Clínicas... Disse que ainda
estava no laboratório e estava indo para casa...
Percorreu
os corredores escuros da universidade, chegou à portaria e viu o poster com a
foto aérea do campus, o mesmo que vira em seu sonho...
Olhou
para o lado e vira que o guarda dormia debruçado no balcão... Acordou-lhe e
pediu que abrisse a porta... Olhou o estacionamento escuro e seu carro parado
em frente às árvores do outro lado do pátio... Com a chave nas mãos caminhou
até seu carro, rezando para que a garotinha não estivesse lá...
AllisonRdS