Translate

terça-feira, 17 de junho de 2014

Conto 1 - Continnum...

Conto 1- Continnum...


  O homem olhava o contraste em que a cidade se apresentava aquela noite, nada de diferente do que quase sempre acontece... Seus olhos já cansados ardiam e sua visão já embaralhava-se, contemplava ao mesmo tempo a tranquilidade que a luz da lua proporcionava e a caótica disputa por espaço e atenção em que outdoors, lâmpadas de neon e faróis de carros e motocicletas se engrenavam... Estava em pé sobre a mureta que um dia havia sido projetada e construída para proteger alguém de uma queda eventual, mas pelo visto isso já fora há muito tempo...
   Haviam apenas duas opções à sua disposição, talvez houvessem mais, mas não conseguia vê-las... Voltar para dentro e terminar o que havia começado ou simplesmente dar um passo adiante, despencar em uma queda livre do vigésimo andar e encontrar o asfalto esburacado... Qual seria a melhor delas? Há uns vinte minutos media os prós e os contras de cada uma...
 Se voltasse teria que encarar aqueles olhos inquisidores novamente, embrulhá-la, descer as escadas do prédio a levando sobre os ombros e correr o risco de ser apanhado antes mesmo de definir os próximos passos. Já se pulasse tudo terminaria bem... Ou descobriria que a teoria de que os suicidas repetem continuamente seus últimos momentos é verdadeira...
 “Se eu fosse embora agora, será que você entenderia? O silêncio lhe dizendo que a culpa não foi sua... É que eu nasci com o pé na estrada e com a cabeça lá na lua...” As frases da música que ouvira há pouco não saiam de sua cabeça, havia ligado o i-pod para abafar alguns possíveis sons que o entregariam... Havia planejado tudo, seria perfeito... Mas... Parece que ouvira algo... Uma gélida brisa tocara seu corpo, cruzou os braços em torno do tórax nu na inútil tentativa de se proteger de algo, talvez do frio... 
  Enfim tomara sua decisão...
 Deu um passo atrás... Desceu e entrou novamente pela porta de vidro ainda aberta, passou pela cortina e viu que ela ainda estava lá, inerte... A camisa ainda cobria seu rosto, não conseguira encará-la...“ O que eu fiz?”... Respingos de sangue davam uma nova decoração à luxuosa sala de estar do apartamento de cobertura, tanto tempo depois... “Que merda eu fiz???”... A estátua africana com suas impressões digitais permanecia perto dela, morta... As lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto novamente... Seus pés descalços tiveram a incômoda sensação de pisar em uma placa de sangue coagulado...
  Novamente a brisa gelada... Sua respiração começara a acelerar, a sala inteira estava gelada agora... Saia fumaça quando expirava... Abaixou-se e puxou a camisa... Os olhos estavam abertos, ela o estava encarando novamente... A têmpora aberta e o tapete que um dia fora branco mudara com a cor de seu sangue... Sentia medo agora, muito medo, estava perdido...
  - Abra a porta! - A voz firme de um homem pudera ser ouvida acima da música, acompanhada de diversas batidas na porta... - Abre a porra da porta, senão vou arrombar...
  Tomas não tivera mais dúvidas, jogou a camisa novamente sobre o rosto da esposa inerte, virou-se de frente para a porta de vidro e correu... Liberdade... Fora sua única sensação ao visualizar o asfalto da avenida mais cara de Ribeirão aproximando-se de seu rosto... Ouvia o vento inerte respondendo à velocidade com que seu corpo despencava... As grades do prédio... o gramado... o som do vento... frio... escuridão... escuridão... escuridão... silêncio...
   …
  Olhava novamente o contraste em que a cidade se apresentava aquela noite, nada diferente do que quase sempre acontece... Seus olhos já cansados ardiam e sua visão já embaralhava-se...
AllisonRdS

Nenhum comentário:

Postar um comentário